Eduardo

Schenberg

Neurocientista e empreendedor
Brazilian Journal of Psychiatry / 2020
É uma "graça gratuita" que não é necessária nem suficiente para a salvação, mas que, se usada apropriadamente, pode ser enormemente útil aos que a recebem. (Aldous Huxley)

Dadas as projeções da Organização Mundial da Saúde de que a saúde mental será uma das áreas mais críticas neste século, é urgente desenvolver novos tratamentos psiquiátricos. Avanços recentes com psilocibina para depressão severa e 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA) para tratamento de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) levaram estas terapias a receber a designação de "breakthrough therapy status" pelo FDA nos EUA1 . Nesta edição relatamos os primeiros resultados bem sucedidos de psicoterapia assistida por MDMA em Brasileiros pacientes de TEPT severo (resumido na Figure 1).2 Esta abordagem merece atenção dos profissionais de saúde mental no país, pois a prevalência deste transtorno, que já é alta, provavelmente vai aumentar conforme infecções e fatalidades relacionadas a COVID-19 disparam no Brasil.3

A história destas substâncias na psiquiatria começou ao redor de 1953, quando o psiquiatra Humphry Osmond deu um copo dágua com 400 mg de mescalina para Aldous Huxley, temendo enlouquecer o famoso escritor. Em 1956 a contínua troca intelectual entre ambos levou Osmond a inventar o neologismo "psicodélico" (do Grego, significando "manifestar a mente"), pensando que: "O nome deve ter um significado claro, ser relativamente fácil de pronunciar e não ser parecido com nenhum outro nome [...] Psicodélico não parece ambíguo nem carregado de antigas associações e é claro." Aquela altura os dois já haviam experimentado o LSD, inventado em 1938 por Albert Hofmann, que também descobriu sua psicoatividade em 1943.4,5 Estas ocorrências são anteriores a descoberta da serotonina no cérebro de mamíferos, bem como da clorpromazina, iproniazid e lítio, comumente relatados como sendo os primeiros remédios psiquiátricos modernos. Entretanto, o LSD foi testado para diferentes condições, mais famosamente o alcoolismo, nos anos 50 e teve papel importante na aceitação geral da neurotransmissão química devido a seus efeitos notáveis, de longa duração e em doses diminutas (dezenas a centenas de microgramas.4,5

Nos anos 1980 o LSD foi utilizado em estudos que estabeleceram a existência de diferentes receptores para a serotonina, 5HT-1 e 5HT-2, demonstrando que a psicoatividade destas drogas não se devia a efeitos tóxicos, como especulado anteriormente, mas pelo contrário se devia a efeitos precisos nos receptores alvo que existem nas membranas celulares1,5,6 . Quatro décadas depois, tecnologias de neuroimagem não invasiva e minimamente invasiva, como M/EEG, fMRI e PET permitem a decodificação da atividade neural durante o efeito agudo dos psicodélicos. Os resultados mostram, por exemplo, que a psilocibina se liga aos receptores 5HT-2A, mais densamente expressos nos dendritos apicais de neurônios piramidais na camada 5 do neocórtex, e assim aumenta sua taxa de disparos. Isto desencadeia um efeito em cascata em todo o córtex, induzindo desincronização temporária dos ritmos cerebrais, que correlaciona com os efeitos subjetivos e com a taxa de ocupação dos receptores no cérebro.1,5,6

Este entendimento neurofisiológico sofisticado do do mecanismo farmacológico de ação, do nível celular ao sistêmico, é crucial porque, ao contrário da maioria dos fármacos psiquiátricos, os psicodélicos não devem ser usados de forma crônica. Ao contrário, a psilocibina e o MDMA, que aumenta liberação de serotonina, noradrenalina e dopamina tem excepcionais potenciais terapêuticos de ação rápida após administração em poucas ocasiões em associação com psicoterapia.1,5,6 As duas substâncias estão sendo testadas para tratamento da dependência química, e estudos publicados mostram resultados promissores para ansiedade existencial em pacientes terminais, intervenções para o tabagismo, fobia social em adultos autistas e o mais importante, depressão e TEPT.1,5,6 A neuroimagem da ação destas drogas, que são empregadas clinicamente em apenas uma a três sessões por paciente, tem enorme valor translacional para o futuro da prática clínica pois a psicoterapia assistida por psicodélicos é conceitualmente distinta das práticas atuais centradas apenas nos fármacos.1 Ao não realizar administração diária pode-se reduzir efeitos adversos, incluindo a síndrome de abstinência que aumenta com o uso prolongado e diário das medicações psiquiátricas. Ao administrar psicodélicos apenas sob supervisão médica e/ou psicológica diminuí-se ou elimina-se por completo o risco de desvio das drogas para outras finalidades potencialmente abusivas, sem mencionar o risco de dependência, que é mínimo para substâncias psicodélicas, especialmente quando administrados poucas vezes sob supervisão médica.1,5,6

Durante nosso estudo com MDMA em 2018, a autoridade Brasileira responsável por todas as atividades envolvendo substâncias controladas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), nos concedeu autorização (AEP 012/2018) para usar psilocibina no tratamento da depressão severa, também de alta prevalência no país. Entretanto, nosso protocolo de pesquisa foi rejeitado duas vezes em um Comitê de Ética em Pesquisa com a alegação incorreta de que substâncias controladas não podem ser usadas em pesquisas científicas. Mas como a ANVISA tem regras claras estabelecidas (Portaria 344),7 ingressamos com recurso administrativo para obter a aprovação ética que foi obtida, mas com mais de um ano de atraso. A ANVISA também reconheceu a importância de facilitar a pesquisa com substâncias controladas, propondo novas normas em Dezembro de 2018 (Consulta Pública 587)8 e passando uma nova resolução em Abril de 2020 (Resolução da Diretoria Colegiada 367)9 para manter este tipo de pesquisa sem obstruções. Estes são passos importantes que podem facilitar aprovação de tratamentos envolvendo psicodélicos no Brasil. A segurança e eficácia do MDMA está atualmente em estudo clínico Fase 3, internacional, randomizado e duplo-cego.5

Considerando a tendência de aumento na prevalência de depressão e TEPT e seu impacto considerável na saúde mental e na economia, estes avanços podem ser uma inovação bem vinda para a psiquiatria Brasileira. Portanto, é hora dos profissionais de saúde mental considerarem se os psicodélicos, apesar de ainda não serem suficientes, não estão se tornando necessários.

Disclosure


O autor declara não possuir conflitos de interesse

REFERENCIAS



1Reiff CM, Richman EE, Nemeroff CB, Carpenter LL, Widge AS, Rodrigues CI, et al. Psychedelics and psychedelic-assisted psychotherapy. Am J Psychiatry. 2020;177:391-410.



2Jardim A, Jardim D, Chaves BR, Steglich M, Ot'alora G M, Mithoefer MC, et al. 3,4-methylenedioxymethamphetamine (MDMA)-assisted psychotherapy for victims of sexual abuse with severe post-traumatic stress disorder: an open label pilot study in Brazil. Braz J Psychiatry. Forthcoming 2020.



3Ornell F, Schuch JB, Sordi AO, Kessler FH. "Pandemic fear" and COVID-19: mental health burden and strategies. Braz J Psychiatry. 2020;42:232-5.



4Bisbee CC, Bisbee P, Dyck E, Farrel P, Sexton J, Spisak JW. Psychedelic prophets. The letters of Aldous Huxley and Humphry Osmond. London: McGill-Queen's Press.



5Nichols DE. Psychedelics. Pharmacol Rev. 2016;68:264-355.



6Nutt D, Erritzoe D, Carhart-Harris R. Psychedelic psychiatry's brave new world. Cell. 2020;181:24-8.



7Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria n° 344, de 12 de maio de 1998 [Internet]. [cited 2020 May 24]. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/1998/prt0344_12_05_1998_rep.html



8Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Consulta Pública n° 587, de 24 de dezembro de 2018 [Internet]. [cited 2020 May 24]. http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/5210712/%281%29CONSULTA+P%C3%9ABLICA+N%C2%BA+587+COCIC.pdf/e0d14713-8673-41e0-bfc4-b4ab82665ec1



9Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução de Diretoria Colegiada - RDC n° 367, de 6 de abril de 2020 [Internet]. [cited 2020 May 24]. http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/5210712/RDC_367_2020_.pdf/5dfd0fa7-cf99-4bd4-837c-d3baf098a191

Substâncias psicodélicas para novos tratamentos psiquiátricos

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